terça-feira, 26 de abril de 2016

Leitor: coautor do texto.(Lêdo Ivo)

Quando vejo alguém comprar um livro não consigo, sinceramente, ver no gesto um acto de consumo. Comprar um livro é, digo eu, um acto de protecção e apoio à criação. Quando um leitor compra um livro, o gesto tem duas facetas. Uma é pessoal e envolve o prazer da leitura e a conquista de conhecimento; a outra é, de facto, uma dimensão social e económica, porque na compra de um livro o leitor está a incentivar o editor, está a dizer “continua!” a um livreiro. E está, acima de tudo, a convidar o autor, senão para um almoço, pelo menos para um petisco ao fim da tarde. Esta gente, editores, livreiros e escritores, faço notar, têm fome e têm sede. É o leitor que as mata.
Ao comprar um livro, um leitor está a dar vida à criação. Para mim, todo o leitor que compra um livro é um co-criador. Quem escreve todos os dias “Os Maias”, do Eça, ou “A Ilha do Tesouro”, do Stevenson, são os leitores que o compram e os lêem. Se há coisas que procuramos na vida, mesmo involuntária e inconscientemente, e são, digo eu, conhecimento, harmonia e prazer. Tres cosas hay en la vida e são mesmo estas as três coisas, mesmo quando lhes damos outros nomes. Não conheço nenhum instrumento tão alcoolicamente poderoso, tão desbragadamente variado e tão gloriosamente democrático, para chegar a essas três coisas, como o livro.

O que irmana leitor e autor, leitor e escritor, leitor e poeta, leitor e romancista é a sede e o gosto de criação. Que essa sede e esse gosto nunca se percam, nunca pereçam. Compremos livros. O leitor que respira é o pulmão da literatura.

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