domingo, 21 de julho de 2013

"Só tem o direito de criticar aquele que pretende ajudar." (Abraham Lincoln)

A Crítica como recurso pedagógico
Na esteira de meu artigo Crítica, espírito crítico e outras obviedades, fui interpelado por muitos pais que, do ponto vista pedagógico, se interessaram pelo tema, principalmente no que tange ao seu papel de educadores. Principalmente quando frente a seus filhos adolescentes, por exemplo, nos quais o espírito crítico já se encontra num estado tão crítico, que permitam o trocadilho, parecem um caso perdido.
Por um lado é desgastante ao pai ou a mãe diariamente executar esse papel de agente “apontador de defeitos” frente à conduta de seus filhos, que no auge da adolescência, pendem para o intolerável, ou nas palavras de uma leitora:
“Meus filhos adolescentes são imãs para encrenca – desde a vida escolar até aos hábitos de higiene – é uma batalha diária e sem tréguas. Tudo tem que ser apontado e reiterado, senão a opção sempre é feita pela pior conduta.”
Por outro lado, o adolescente é excelente em criticar sem a menor piedade o comportamento dos pais e se aproveitar como muita propriedade dos erros dos adultos como desculpa para “escapar do controle” e então adotar o comportamento mais desastroso possível.
Evidentemente esse tema é gigantesco e extremamente complexo.
Não tenho aqui a menor pretensão de apresentar soluções milagrosas, quando muito, quero apenas efetuar, como sempre, um humilde convite à reflexão.
É claro que depois de instalado o problema de pouco adianta buscar culpados.
Geralmente, muitos pais relapsos tendem a desaguar na escola os descalabros da precária educação dada aos filhos e evidentemente cabe ao professor a dura tarefa de operar milagres.
É uma obviedade de longa data que a boa relação familiar é um fator preponderante na construção de uma educação saudável e construtiva, bem como a edificação de uma vida mais fecunda e profícua.
É nessa boa relação, que se destaca a capacidade de uma família de bem exercer o espírito crítico, tanto na arte de fazer a crítica quanto na de recebê-la. E para isso se exige uma série de atributos que quero novamente aqui destacar:

• Humildade e lisura;
• Senso de humanidade;
• Tato e polidez;
• Adequação;
E acima de tudo:
• Conhecimento.
Não há como criticar algo que não se conhece:
Por isso, pais e educadores: – estudem o assunto! E procurem conhecer seus educandos.
Existe vasta bibliografia sobre a pedagogia na adolescência e vamos fazer uso dessa inteligência distribuída para construirmos uma educação adequada para nossos filhos.
Quanto à aplicação da crítica:
Muitos pais tendem a simplesmente criticar a conduta mais evidente e estabelecer um controle férreo dos efeitos, do tipo:
- Sente direito. – Arrume seu quarto. – Lave as mãos. – Escove os dentes – Estude!
Etc. etc. etc.
Num processo autofágico que leva ao desgaste e promove no educando uma espécie de amortecimento: – Além de não ouvir mais a crítica, faz ouvidos moucos a tudo que esses pais ou educadores falam.
Novamente no jargão popular se encontra mais uma obviedade, não menos útil:
“Uma pitada de exemplo vale um barril de conselhos”.
Para educar um filho, não use apenas palavras, mas principalmente o seu exemplo.
Existem, também, os pais que tudo toleram e não criticam os filhos em nada, como que imobilizados pelo receio de traumatiza-los.
Dessa forma abandonam seus filhos ao domínio de seus próprios caprichos infantis, produzindo para si e para a sociedade pequenos tiranos, cujo egocentrismo compete com sua completa falta de capacidade de se relacionar com o outro de forma saudável e produtiva.
Outra obviedade:
Para se estabelecer esses limites tão importantes ao processo pedagógico o pai e a mãe devem estar presentes. Não apenas fisicamente. Mas presentes de corpo e alma. Presentes como entidade e categoria moral, portadores e praticantes de um conjunto de valores que lhes são essenciais.
Os pais não devem figurar apenas como provedores materiais, relegando sua família a uma espécie de indigência moral, que só a mais cruel orfandade é capaz de produzir.
Infelizmente eu conheço uma porção de adolescentes que são órfãos de pais vivos. Jovens que sobrevivem desde tenra idade a esse tipo de abandono que é o mais destrutivo de todos.
Presenciamos diariamente a rotina de muitas famílias, que na busca pelo ter, acabam esquecendo o ser e caem cativos nos frutos armadilhas do consumismo e, sem tempo para viver, são incapazes de conviver, tratando-se com a indiferença dos simples conhecidos, que são na verdade meros desconhecidos, ou na melhor das hipóteses, inimigos íntimos.
É preciso deixar patente, que o reverso do amor não é o ódio! – e sim a indiferença!
Quando se entende que a crítica que é realizada com propriedade busca sempre a melhoria e a evolução – se entende também que essa crítica em sua essência é também um gesto de amor.
Um bom crítico literário, por exemplo, ama a literatura.
E é preciso aprender a fazê-la e é preciso aprender a recebê-la. Para o bem de nossos filhos e para o bem de toda a humanidade.
Para concluir, apresento aqui uma vivência da minha infância, que ilustra muito bem o que eu gostaria de dizer.
Aos dez anos de idade eu já gostava de aplicar piadas práticas em meus colegas de ginásio. Uma, que me marcou em especial, envolvia um binóculo e uma almofada de carimbo.
Era uma “pegadinha” muito simples. Consistia-se em sujar as oculares do binóculo na almofada de carimbo e deixá-lo displicentemente sobre uma carteira ao lado da janela.
Não demorava muito e um colega desavisado ao ver o binóculo, não resistia e já se prontificava em experimentá-lo sem pedir permissão – e pronto, ficava com o rosto carimbado com espalhafatosos “olhos de coruja”.
O tiro saiu pela culatra quando nosso professor de matemática (o mais severo e disciplinador de todos) aproximou-se da tal carteira, e antes que pudéssemos adverti-lo, tomou o binóculo e fez uma longa observação de toda a paisagem ao alcance da janela, elogiando, inclusive o poder de zoom do aparelho.
A sala caiu num silêncio sepulcral. E ele, sem perceber que sua face ficara marcada, prosseguiu tranquilamente com sua aula.
Petrificado pelo medo, não consegui juntar um grama de coragem para avisá-lo. E penso que aconteceu o mesmo com o resto da classe.
Na manhã seguinte, resignado, eu já esperava por uma suspensão ou coisa pior.
No entanto o jovem professor nos surpreendeu com um bom humor inédito, contando com muitas gargalhadas que por fim trabalhara os três turnos com “seus olhos de coruja” sem perceber que caíra na “pegadinha”.
 Só quando chegara a sua casa que avisado pela esposa, tomou consciência de que servira de piada para todos da escola, nos três turnos em que trabalhara frente a tantos jovens.
Ao término da aula, com a consciência muito pesada, fui me desculpar. Afinal ele não merecia aquele tipo de brincadeira.
O jovem professor, no entanto, sem nenhum pingo de condescendência ou autocomiseração se limitou a me tranquilizar e agradecendo-me disse:
- Graças à sua brincadeira eu descobri que nessa escola, nesses anos todos, eu não consegui fazer nenhum amigo.
Até hoje estou remoendo essa lição.

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